
Tornou-se lugar-comum dizer que o português do Brasil é diferente do de Portugal. É uma questão polêmica que exalta as
paixões há mais de um século. Nos debates para as Constituições de 1824, 1890 e 1946, apareceu como possibilidade a denominação
de “língua nacional”, “língua brasileira” e até de “brasileiro”, mas nenhuma chegou a ser concretizada. Assim, a língua brasileira
passou a ser ordinariamente chamada de “português brasileiro” e muitas vezes de “brasileiro”. No entanto, esse é um real problema
que, a qualquer momento de sua história, o Brasil terá que enfrentar e resolver, friamente, porque não é somente um problema de
terminologia. Não se definirá a língua brasileira sem que se determine, simultaneamente, a identidade nacional. Ambas são
estreitamente ligadas, e a questão da língua é tanto um problema de lingüística quanto de cultura e de sociedade.
Do ponto de vista lingüístico, o português brasileiro não é um dialeto, mas é, sim, uma variante de português. Historicamente,
as variantes brasileira e portuguesa tiveram uma evolução separada a partir do século XVI, por múltiplas razões, e apresentam hoje
diferenças estruturais importantes, de ordem lexical, sintática, morfológica e fonética. Há até quem considere que são dois idiomas
distintos.
Outro aspecto a ser observado, e que se refere essencialmente à língua falada, é a ausência de norma – ou língua-padrão –
nacional, o que já não é mais um problema exclusivamente lingüístico. A primeira causa para essa ausência é a falta de centro de
referência nacional. Portugal conhece vários dialetos regionais, mas tem Lisboa como pólo político, econômico e cultural; a norma
lisboeta, portanto, prevalece. No Brasil, por razões históricas, geográficas e demográficas, não há centro de referência. Cidades como
Rio de Janeiro e São Paulo possuem uma inegável primazia cultural, mas constituem duas referências lingüísticas originais que se
diferenciam ainda dos outros centros, que são as capitais dos Estados. A segunda causa é de ordem social: conforme a classe
socioeconômica e o nível escolar (altos, médios ou baixos), a língua falada apresenta numerosas variantes. Existe, então, no Brasil,
horizontal e verticalmente, uma importante variedade de dialetos e falas, regionais e locais, desiguais no teor e na representação
populacional.
Estabelecer uma norma falada – e ensinada – no Brasil, portanto, não é um problema simples. Em relação a isso, existem
duas linhas de pensamento opostas: uma que defende a integridade da língua portuguesa, outra que preconiza uma reforma radical em
função das especificidades brasileiras. Todavia, não há nenhum motivo para que predomine a língua falada por uma cidade, uma
região ou uma classe social, e também não se pode imaginar uma solução regressiva que consistiria em decalcar a norma sobre a
língua falada. Existe realmente um termo médio? A resposta está nas pesquisas que estão sendo realizadas já há alguns anos no campo
da Lingüística. Mas qualquer que seja a solução, não poderá haver reforma sem escolhas arbitrárias e eliminações, que certamente
surtirão sofrimentos e frustrações nos que, com total dedicação, envolvem-se na questão da língua.
Jean Baptiste Nardi. Artigo disponível em: http://lingua-brasileira.blogspot.com.
Acesso em 17/05/2006. Adaptado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário